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domingo, 22 de maio de 2011

PRAZER DA GULA Também é Poesia


Arco 
Carlos Drumond de Andrade 


Que quer o anjo? chamá-la.
Que quer a alma? perder-se. 

Perder-se em rudes guianas 
para jamais encontrar-se. 

Que quer a voz? Encantá-lo 
que quer o ouvido? embeber-se
de gritos blasfematórios 
até quedar aturdido. 

Que quer a nuvem? raptá-lo.
Que quer o corpo? solver-se,
Delir memória de vida
E quanto seja memória.


Que quer a paixão? detê-lo.
Que quer o peito? fechar-se
Contra os poderes do mundo
Para na treva fundir-se.


Que quer a canção? erguer-se
Em arco sobre os abismos.

Que quer o homem? salvar-se  
Ao prêmio de uma canção. 



As lentas nuvens fazem sono
Fernando Pessoa 

As lentas nuvens fazem sono,
O céu azul faz bom dormir.
Bóio, num íntimo abandono,
À tona de me não sentir.

E é suave, como um correr de água,
O sentir que não sou alguém,
Não sou capaz de peso ou mágoa.
Minha alma é aquilo que não tem.

Que bom, à margem do ribeiro

Saber que é ele que vai indo...
E só em sono eu vou primeiro.
E só em sonho eu vou seguindo. 



É preciso não esquecer nada
Cecília Meireles 

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence. 




PRAZER DA GULA,
Hevelinny EIKO
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